Árvore da Memória (Almir Zarfeg)

 

· avesso

Nosso avô Zé de Fulosina se chamava, na verdade, José Xavier da Silva. Era casado com a decidida Leivina Generosa de Souza, que descendia da linhagem dos da Pedra, que gerou tanta gente polida como Adelino da Pedra, pai de Darcy da Pedra, irmão de Jandira e Gildete, sobrinhas da nossa avó. Por parte de pai.

Zé de Fulosina (porque era filho da velha doca e avara Fulosina – qualquer semelhança com flor é mera coincidência!) e Leivina da Pedra geraram, entre outros, Aurindo Xavier da Silva e Anita Generosa da Silva. Esta se casou com Arlindo Alves de Oliveira e, juntos, fizeram nove filhos, dos quais a primogênita é Maria Helena.

Nossa prima Lena ou Leninha (como a chamávamos) contraiu matrimônio com Dão Prado. Nove meses depois, deu à luz Márcio e, passados mais dois anos, nasceu Joérlio (Jô). Os dois, que passavam as férias de meio e final de ano na Fazenda Sítio Novo, nem desconfiavam que fariam história...

Márcio, ainda adolescente, se amigou com Joelma. Já o irmão caçula, esse passou a se interessar por música pop americana – sabia os Back Street Boys de cor. Juntamente com outros rapazes, contudo, Jô criou uma banda de forró, A Sapatilha 37, da qual era vocalista. Para delírio dos poucos fãs.

Antes que a banda deslanchasse, Jô resolveu ir tentar a sorte na Europa. Sempre cantando forró.

Da união de Márcio com Joelma (“essa geração não tem um pingo de juízo”), nasceu Enthony Ramones (a ideia do nome americanizado partiu do pai), um moleque esperto e motivo de orgulho dos avós paternos Dão e Lena, dos bisavós Arlindo e Anita e dos trisavôs Zé de Fulosina e Leivina da Pedra (“qual é mesmo o nome do menino?”). Enthony não se lembra dos trisavôs, mas conheceu pessoalmente o bisavô Arlindo, que viria a falecer em Belo Horizonte de uma complicação renal. A bisavó Anita está tinindo de saúde, apesar da idade avançada.

O relacionamento de Márcio com Joelma durou pouco (qual a surpresa?). Quando resolveram juntar os panos, eram muito jovens e, portanto, despreparados para assumir tanta responsabilidade – as cobranças de uma vida a dois, o pão nosso de cada dia, a educação do filho, e assim por diante.

Márcio se separou de Joelma e, na primeira oportunidade, embarcou com mala e cuia pros Estados Unidos – via México. Nos primeiros meses, mandou religiosamente a mesada de Enthony, que ficara com a mãe no Brasil. Depois se revelou um pai irresponsável e inconsequente.

“Como a parábola do filho pródigo”, comparou a avó Lena, que é evangélica.

Tanto os avós paternos (Dão e Lena) quanto os maternos (João Marceneiro e Mazinha) gostam muito do fruto da paixão intempestiva de Márcio com Joelma. O sentimento é mútuo. Mas Enthony gostaria mesmo é que seus pais ficassem juntos para sempre. A vida – o pequeno aprendeu isso a duras penas – é cheia de altos e baixos. Subidas e descidas, diria seu Zé de Fulosina.

Logo após a separação, Joelma conheceu um senhor de meia idade, cujo nome não vem ao caso, com quem viveu maritalmente por quase um ano. De novo, a relação se deteriorou. Balzaquiana carente, a mãe de Enthony se desentendeu feio com o ex-sogro e, revoltada, decidiu também se aventurar lá fora. (Dizem que vive com um portuga muito generoso.) Enthony ficou sob os cuidados de Dão e Lena.

A vida segue em frente, como o rio Umburana. Anthony tem 12 anos e, no momento, passa uma temporada com a avó materna Mazinha, que acaba de se separar de João Marceneiro. A loba não desistiu de ser feliz e já encetou novo relacionamento. O felizardo é Manuel não sei de quê – modernoso e compreensivo –, que não sabe se atua como pai ou avô de Enthony.

Padrasto é coisa do tempo dos bufões, vive repetindo Manu.

Para Enthony tanto faz como tanto fez, porque é mais sobrevivente que remanescente. E não adianta lhe repetir essa loucura de bisavô, trisavô, tataravô ou Fazenda Sítio Novo. Onde tudo começou há muitos e muitos anos.

“Quero mais é mergulhar nesse mundão”, desconversa o trineto de Zé de Fulosina, mais louco da pedra do que saudosista da silva.

Almir Zarfeg (Teixeira de Freitas, Bahia)

ALMIR ZARFEG (Teixeira de Freitas, Bahia)